sábado, 23 de julho de 2011

Preconceito: quem disse que ele não existe no Brasil?

foto: Ricardo Medeiros
Claudia de Paula, 36 anos, com o filho Francisco Eduardo de Paula Pinto, 4, reclama de sofre preconceito por ser negra e o filho branco
Cláudia de Paulo, consciente dos seus direitos, orgulha-se do que é e educa o filho, Francisco, para que ele tenha o mesmo sentimento

Preconceito
Brasileiros
: 63,7% dos entrevistados acreditam que cor ou raça influenciam na vida
Mulheres e homens: 66,8% delas dizem que a cor ou raça influencia, contra 60,2% deles
Jovens: 67,8% dos jovens com idades dentre 25 e 39 anos, seguidos por pessoas na faixa etária de 15 a 24 anos (67,2%), também têm a mesma percepção

Identificação
Entrevistados:
96% afirmam saber a própria cor ou raça. As cinco categorias de classificação do IBGE (branca, preta, parda, amarela e indígena), além dos termos "morena" e "negra", foram utilizadas pelos entrevistados
Cor da pele: 74% responderam ao IBGE que o fator preponderante para identificar sua cor ou raça é "a cor da pele".
Origem: 62% dos entrevistados disseram que a origem familiar também é analisada; e, para 54%, traços físicos atuam na formação da raça
Fonte: IBGE


Vilmara Fernandes
vfernandes@redegazeta.com.br

O bebê era encantador. A mãe mal continha a alegria ao segurá-lo pela primeira vez. Mas a emoção daquele momento foi marcada pela reação da enfermeira: "Seu filho é lindo, nem parece seu". Cláudia de Paulo tem a pele preta; e o pequeno Francisco, branca. O que aconteceu à família confirma o que 63% dos brasileiros já vivenciaram: a cor da pele influencia na vida.

O impacto é maior no trabalho, segundo apontaram 71% dos entrevistados em pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada ontem. Feito em seis Estados, o estudo não inclui o Espírito Santo.

Na pesquisa, brasileiros apontaram que a cor e a raça interferem "na relação com a justiça ou a polícia", citada por 68,3% dos entrevistados. Para 65%, esses fatores também repercutem no convívio social; e para 59,3%, cor e raça influenciam na maneira de agir nas escolas.

Orgulho Algo que Cláudia, hoje coordenadora da Associação Capixaba de Redução de Danos (Acard), conhece bem. Até os 15 anos, ela tinha vergonha de ser negra e odiava a escola. "Colegas me chamavam de fedorenta, de macaca". A situação mudou quando conheceu a cultura negra e seus direitos. "Tenho orgulho do que sou e é o que ensino a meu filho", frisa.

O preconceito contra cor e raça vai muito além das diferenças sociais e econômicas. Atinge empresários, aposentados, estudantes, pobres e ricos. "Só quem já vivenciou sabe o impacto de uma atitude racista em sua vida", assinala o juiz Willian Silva.

Contra parede

O advogado do Movimento Negro, Gilmar Martins, é outro que acumula relatos. Na adolescência, não faltaram ocasiões em que foi colocado contra a parede durante blitze policiais. "Era sempre o suspeito", relata.

O pior, destaca Martins, é que nem sempre a pessoa discriminada consegue denunciar a violência de que foi vítima. Nas delegacias, assinala o jurista, na grande maioria das vezes os delegados optam por dar uma qualificação menor ao crime.

Injúria São os casos em que a atitude preconceituosa é apontada como injúria qualificada. Embora haja a previsão de reclusão para quem cometeu o crime, é possível pagar fiança e sair da cadeia.

Já no crime de racismo não se aplica fiança. O acusado pode ficar detido até 3 anos, e a ação na Justiça é movida pelo Ministério Público; ao contrário da injúria, onde a pessoa tem que acionar um advogado. O que falta, pondera Martins, são os delegados se informarem melhor sobre a legislação.

Em Vitória, quatro denúncias por ano
Brunelli Duarte

Nos últimos sete anos, a Gerência de Políticas de Promoção de Igualdade Racial de Vitória  registrou 30 casos de racismo, uma média de quatro por ano. São situações motivadas pela discriminação no comércio e até no atendimento em hospitais. Mas o número de casos contabilizados não reflete a realidade,  porque muitas pessoas não registram queixas nas delegacias.

São casos como o de um adolescente proibido de entrar num hipermercado, porque estava descalço; ou de uma mulher cujo filho foi proibido de brincar num espaço de diversão com o argumento de que o local estava fechado; ou da senhora que estava bebendo num bar com as amigas e foi expulsa do lugar. Todos tinham em comum o fato de serem negros.

Segundo a gerente do setor, Vanda de Souza Vieira, são exemplos da "não  aceitação de que o outro - no caso a pessoa discriminada - é um igual, que tem a mesma potencialidade e direitos". Ela acrescenta que o preconceito caminha com a pigmentação da pele. "Quanto mais preta, maior a discriminação", explica ela. Um quadro que só vai se mudar com políticas que impeçam atitudes racistas.
Aos que vivenciarem essas situações, Vanda orienta que registrem um boletim de ocorrência.
foto: Edson Chagas
 Willian Silva, juiz de direito
Juiz sente  racismo  veladoAo ver Willian Silva, 55 anos, lavando o carro, uma senhora não teve dúvida: perguntou quanto ele cobrava pelo serviço. Na porta do fórum, foi confundido com um pastor evangélico. Mas Silva é juiz em Vitória, Estado que conta com menos de dez magistrados negros. Quando as pessoas descobrem, o racismo desaparece ou, como ele destaca, fica velado. "É desagradável", define, destacando que até quando está com a neta, que tem olhos azuis, enfrenta o problema.

Ranking do Censo no Estado
Cor
Onde as pessoas mais se assumem como pretas

Apiacá - 16,39%; C. da Barra - 16,03; S. José Calçado - 15,07; B. Jesus do Norte - 14,78; São Mateus - 13,73; Jaguaré - 12,53; Pedro Canário - 11,26; Muqui - 10,94; Mimoso do Sul - 10,81
Atílio Vivacqua -  10,77

Raça
Onde há mais negros (pretos e pardos)

Ecoporanga - 76,57; Ponto Belo - 76,21; Mucurici - 75,60; C. da Barra - 75,40; Pedro Canário - 74,12; Pinheiros - 73,42; São Mateus - 70,78
Sooretama - 70,29; Montanha - 70,01; Mantenópolis - 69,53


"Pessoas até me olhavam de lado"
Edna Rezende. Manicure
Uma das  situações que mais marcaram a vida da  manicure Edna Rezende, 33, envolveu sua filha, ainda criança. Apesar de sua pele preta, a menina nasceu branca, com olhos azuis, características herdadas de familiares. Uma vez, quando fazia compras no supermercado, uma pessoa se encantou com a criança, parou para observá-la e questionou o que Edna ela era da menina. "Percebi que ela ficou espantada com a minha resposta. Sei que muitas pessoas olhavam de lado quando a gente saía na rua. O preconceito é nítido, mas procurei não ficar revoltada com esse tipo de situação", diz.

"Acharam que eu poderia assaltar"Angelo Dias. Vendedor de picolé

O vendedor de picolé Angelo Miguel Dias, 55, sempre morou no Centro de Vitória. Nas horas de folga,  passeia pelo local, e,  numa dessas voltas, há cerca de dez anos,  parou em frente a uma loja e olhou a vitrine. Logo percebeu que uma das  funcionárias do estabelecimento pediu para a
outra fechar o caixa. E pior: um dos funcionários chegou a mexer em uma arma dentro da loja. "Fiquei constrangido com o preconceito. Acharam que eu poderia assaltar a loja. Mas fiz questão entrar e falar com o gerente sobre a situação. Toda semana alguém segura a bolsa na rua quando me vê."

"A visão é de que negro não pode ascender" Roberto Carlos. Deputado estadual do Espírito Santo
O deputado estadual Roberto Carlos (PT) é professor e adora comprar livros. Mas é comum ser confundido com um vendedor nas livrarias. "É a visão de que o negro não pode ascender na sociedade", destaca, acrescentando ainda que boa parte da população carcerária e dos moradores de rua é formada por negros e pobres. Por causa dessa realidade, um de seus projetos na Assembleia Legislativa do Espírito Santo propõe que as propagandas do governo respeitem a distribuição étnica. "Mais da metade da população do Estado é negra, mas nos comerciais só aparecem os brancos", frisa ele.

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