quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Violência de Gênero e Saúde da Mulher


O gênero - construção social e histórica - é determinante dos padrões de relacionamento
entre homens e mulheres, e assim, pode-se invocá-lo como fator determinante do processo de adoecimento e morte da população masculina e feminina.

As causas externas, ou seja, acidentes e violências estão entre as principais causas de morte da população jovem masculina. Embora sem esquecer outros fatores sociais, econômicos e políticos, já existem estudos demonstrando que os padrões de masculinidade - que valorizam a agressividade, a competitividade e a negação das emoções - levam os homens, desde a infância a adotarem comportamentos de maior risco do que as mulheres.

Eles dirigem em maior velocidade e com mais ousadia, transformando-se nas principais
vítimas das mortes por acidente de trânsito. A maior parte dos homicídios ocorre na
população masculina. E se é menor a freqüência de suicídio entre homens do que entre
mulheres, eles escolhem métodos mais agressivos e raramente saem com vida de uma
tentativa deste tipo.

Analisando-se as estatísticas por mortes violentas percebe-se que as mulheres correspondem a uma parcela significativamente inferior à população masculina. Não é, portanto, em termos de mortalidade que a violência contra a mulher se expressa nas estatísticas de saúde-doença, embora, deva-se ressaltar que entre os homicídios que atingem a população feminina, em torno de 70% a 80% os companheiros são os autores do Crime.

A violência contra a mulher tem outra feição, na maioria das vezes o episódio agudo e mais grave da violência é o fim de linha de uma situação crônica, insidiosa, que aos poucos foi desmontando as defesas das vítimas até deixá-la completamente à mercê do agressor, sem condições até de pedir ajuda.

A violência nas relações de casal, nas relações afetivas, íntimas, no interior das famílias, expressa dinâmicas de afeto/poder, nas quais estão presentes relações de subordinação e dominação. E no contexto atual, na maioria das vezes, a mulher ainda está em posição
desfavorável.

O efeito da violência contra a mulher - o maltrato, as humilhações, as agressões físicas,
Sexuais e psicológicas - é devastador sobre a auto-estima da mulher. O medo que elas sentem cotidianamente, a insegurança, pois nunca sabem o que poderá desencadear a fúria do agressor, a vergonha diante dos familiares e dos vizinhos, provoca ansiedade, depressão, dores de cabeça constantes. A violência nas relações de casal, o abuso incestuoso, expõe a vítima às doenças sexualmente transmissíveis, à gravidez indesejada, aos abortamentos em situação insegura e conseqüentemente mortalidade por causa materna.

Com freqüência é a violência física e sexual na infância e na adolescência que leva tantas meninas a permanecerem na rua, sendo obrigadas a escolher entre a prostituição e as drogas ou a violência dentro de sua própria casa.

A violência sexual, como fenômeno isolado na vida de uma mulher, perpetrada por estranhos ou conhecidos, também pode trazer conseqüências extremamente graves, principalmente se a vítima não tem uma boa auto-estima e uma estrutura psíquica que favoreça a superação do trauma. O sentimento de culpa por não ter conseguido escapar, sentir-se punida por ter ido ou ter passado no local onde foi agredida. O medo de reencontrar o agressor, de passar por tudo de novo, é comum entre as mulheres atendidas.

A gravidez pós-estupro representa uma invasão "essa coisa que cresce dentro do meu corpo" no dizer de uma delas, que não é vista como filho, que é fruto da violência, relembra e reitera a agressão, o sentimento de impotência e nojo em relação ao agressor. Essa situação se agrava quando a mulher não encontra apoio médico, psicossocial e da justiça para encaminhar as decisões tomadas e que lhe são de direito.

"Que as coisas foram resolvidas, foram, mas que eu fiquei bem, não fiquei não. Acho que aonde eu for, vou levar comigo a lembrança daquele dia. Porque a pessoa pode entender mas nunca vai saber o que é passar por um estupro" (Luzimar, Brasil, 2000).

Retomar a vida amorosa, sexual, é um passo delicado. Enfrentar o medo e as dificuldades de que foi estuprada, ao marido ou ao namorado é causa de muito constrangimento para as mulheres. A violência é causa de sofrimento, adoecimento e morte e pode levar ao suicídio. "Eu sempre pensava assim: se eu engravidar do meu pai eu me mato. Não tenho coragem de fazer um aborto, mas não vou ter um filho dele (...) Eu não sou contra a mulher que decide fazer o aborto por este motivo, mas eu acho que eu me matava, acabava com tido logo de uma vez. Eu sempre quis ter um filho, mas eu não ia ter um filho de meu próprio pai" (Lucimar, Brasil, 2000).

A tabela abaixo apresenta uma síntese dos efeitos da violência sobre a saúde da mulher.

VIOLÊNCIA BASEADA NA DESIGUALDADE DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DA MULHER (*)

CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE FÍSICA
• Doenças sexualmente transmissíveis
• Ferimentos, escoriações, hematomas, ferimentos, fraturas recorrentes
• Problemas ginecológicos, corrimentos, infecções, dor pélvica crônica
• Doença Inflamatória pélvica
• Gravidez indesejada, abortamento espontâneo
• Asma, Síndrome do colo irritável
• Maior exposição a comportamentos danosos á saúde: sexo inseguro, abuso de álcool e
drogas, prostituição, fumo
• Incapacidade física parcial ou permanente

CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE MENTAL
• Estresse pós-traumático
• Depressão; Ansiedade
• Disfunção sexual
• Desordens alimentares
• Comportamentos obsessivo-compulsivos

CONSEQUÊNCIAS FATAIS• Suicídio - Homicídios

Medir a magnitude dos efeitos da violência sobre a saúde da mulher é uma tarefa difícil.
Mulheres que vivem em situação de violência, em geral, procuram um serviço de saúde pelos sintomas que apresentam. Nem sempre elas associam o que sentem as agressões sofridas. O serviço de saúde é percebido como um lugar a ser buscado para tratamentos de doenças, como chegar até lá para conversar sobre a situação conjugal ? Que profissional está habilitado para atender essa demanda: médica(o), enfermeira(o), assistente social ?
Mesmo as psicólogas, e psiquiatras, primeiros a serem procurados pelos colegas para que recebam as vítimas de violência doméstica ou sexual, não receberam uma formação especifica para tratar desse tipo de problema, e também necessitam de uma formação especializada, pois a violência não pode ficar restrita ao campo da saúde mental da vítima.

A maior parte dos profissionais de saúde não foi treinada para decodificar as queixas que podem estar associadas à violência, e quando conseguem estabelecer este vínculo ou levantar esta hipótese, sentem dificuldade em abordar a situação com a clientela. Como introduzir o assunto sem constranger a mulher? Como perguntar de uma maneira que ela possa sentir-se à vontade para falar? Quais os termos a serem utilizados? E o que fazer se a mulher resolver falar?

A formação do pessoal de saúde, especialmente da área médica, está dirigida para diagnosticar e tratar, na expectativa, de que a cura esteja relacionada com a sua capacidade de identificar o problema e prescrever o melhor tratamento. Ainda não é suficientemente valorizado o papel que a clientela pode desempenhar na resolução de seus problemas de saúde. No caso da violência, as decisões ou encaminhamentos a serem realizados pela equipe, se não forem compartilhadas, bastante discutidas com a mulher poderão agravar o problema ou não ajuda-la a tomar a melhor decisão.

"Recebemos uma mulher com a filha de 11 anos, que tinha sido abusada sexualmente pelo avô. A mãe trabalhava fora e as meninas ficavam em casa depois da aula, sem a sua companhia. A mãe estava profundamente abalada: queria proteger as meninas, e sabia que o pai agira errado. Ao mesmo tempo não sentia coragem para denunciar o próprio pai, já velho e doente. Ela tomou providências para que as meninas não sofressem uma nova agressão, mas precisou ser acompanhada pela equipe de psicologia do serviço de referência durante um mês, até sentir-se fortalecida para poder denunciar o pai e poder afastá-lo de sua casa". (Relato do médico responsável pelo serviço, em reunião sobre violência sexual, Natal/RN. Brasil. 2000).

Esta equipe estava ciente da obrigatoriedade de denunciar os casos de violência contra crianças e adolescentes, mas teve sensibilidade para aguardar um mês, tempo necessário para a mulher elaborar o problema que estava vivendo e tomar uma decisão sem frente a situações desse tipo ou até mais graves, o desejo de que a situação se resolva logo, ou a dificuldade de compreender os diferentes fatores que podem levar uma mulher a permanecer numa relação violenta - se a equipe não está bem preparada para acompanhar - pode gerar uma grande insatisfação e reforçar o preconceito social contra a vítima, percebida muitas vezes como uma mulher que gosta de apanhar, que está ali porque quer.

A linguagem dos sintomas e diagnósticos não abarca o universo multifatorial da violência. Desta forma, para que o setor saúde incorpore a violência doméstica e sexual como questão de saúde pública, é necessário que todos os envolvidos encarem o desafio de recriar a linguagem da saúde, redimensionando o espaço da doença e das em pessoas, que vivem cada uma a sua história, em diferentes contextos, com diferentes necessidades, porém com iguais direitos de opinar sobre a forma como querem ser tratadas e ajudadas na resolução de seus problemas.

No caso de crianças e adolescentes a situação é diferente e a vinculação dos serviços aos
órgãos de proteção e defesa dos direitos é condição obrigatória para o acompanhamento adequado de cada caso.

Bibliografia consultada

• (*) Heise, L., Pitanguy, J., Germain, A., Violence Against Women. Washington, D.C, The
World Bank, 1994.
• Schraiber, L.B., D'Oliveira, A. F.L.P. Violência contra mulheres: Interfaces com a Saúde.
Interface, Comunicação,Educação, vol 3, n. 5, 1999
• Sabo, Don. Compreender la Salud de los Hombres. Un enfoque sensible al género.
Publicación Ocasional nº 4 Género, Equidad, Salud. Organización Panamericana de la Salud;
Harvard Center for population and Development Studies. 2000

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