terça-feira, 29 de novembro de 2011

Educação e identidade negra e sua realização no ambiente escolar


...Quando a diferença étnico/racial é transformada em deficiência surgem também justificativas pautadas num “psicologismo” que reduz as implicações históricas, sociais, e econômicas que incidem sobre o povo negro a comportamentos individuais: “alunos com dificuldade de aprendizagem”, por exemplo. A ênfase nesse “psicologismo” encobre o caráter excludente da estrutura escolar brasileira, dando margem para que a diferença cultural da aprendizagem seja vista como desvio. Os alunos e as alunas negras, vistos, dentro da escola, como portadores de “deficiência” ou de “dificuldade de aprendizagem”, fatalmente são rotulados como: “indisciplinados”, “lentos”, “defasados”, “atrasados”. A estratégia, dita pedagógica, mais comum a ser adotada pelas escolas para “solucionar” esse problema tem sido as salas projetos, as salas especiais, as turmas experimentais. 
 Embora se possa reconhecer que existam boas experiências no sentido de romper com esses estereótipos, e que nem todos os projetos se encaixam numa visão negativa sobre o negro, essa estratégia pedagógica, na maioria das vezes, resulta em práticas especialmente cômodas para a escola, uma vez que segrega e confina os alunos vistos como portadores de problemas de aprendizagem em um mesmo espaço e, retirando-os do convívio com as outras crianças consideradas “normais”, evita o confronto. O mais sério é que, dada a invisibilidade da questão racial na escola, muitas vezes, os educadores e educadoras, ao adotarem tais práticas, sequer percebem que essas salas são formadas por uma grande parcela de alunos negros e pobres. Também não questionam o peso de tal iniciativa na construção da auto-estima e da expectativa
escolar desses alunos e de suas famílias.
Embora, atualmente, admitamos com mais freqüência que a maioria da população negra faz parte da classe trabalhadora brasileira, esse reconhecimento nem sempre resulta em uma reflexão séria sobre os cruzamentos entre raça e classe social, na sociedade capitalista e na escola. Sabedores dessa realidade, quando nos deparamos com um número significativo de alunos e alunas negros nas ditas “salas para alunos com dificuldades de aprendizagem” ou “de comportamento agressivo e violento”, não podemos considerar tal situação como mera coincidência e tampouco reeditar mais uma versão do mito da inferioridade do negro. Ao olhar essa situação como uma simples “coincidência”, a escola desconsidera a seriedade da questão da desigualdade social e racial, da nãointegração do negro na sociedade de classes e da presença perversa do racismo ambíguo na sociedade brasileira.
Para sair dessa inércia em relação à questão racial, na escola, é preciso assumir o compromisso pedagógico e social de superar o racismo, entendendo-o à luz da história e da realidade social e racial do nosso país. Nesse caso, veremos que a presença significativa de alunas e alunos negros nas ditas classes especiais representa um reflexo da desigualdade racial que assola a sociedade brasileira e impregna a estrutura de suas
diversas instituições. Ou seja, a própria estrutura da escola brasileira, do modo como é pensada e realizada, exclui os alunos e as alunas negros e pobres. Essa exclusão concretiza-se de maneiras diversas: por meio da forma como alunos e alunas negros são tratados; pela ausência, ou pela presença superficial, da discussão da questão racial no interior da escola; pela não existência dessa discussão nos cursos e centros de formação de professores/as; pela baixa expectativa dos professores/as em relação a esse/a aluno/a; pela desconsideração de que o tempo de trabalho já faz parte da vida do/a aluno/a negro/a e pobre; pela exigência de ritmos médios de aprendizagem, que elegem um padrão ideal de aluno a ser seguido por todos, a partir de critérios ditados pela classe média branca, pelo mercado e pelo vestibular, sem considerar a produção individual do aluno e da aluna negra, assim como de alunos de outros segmentos étnico/raciais.
 
Fonte: http://www.ideario.org.br/neab/kule1/Textos%20kule1/nilma%20lino.pdf
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